
Vereadora vê como prioridades a revisão do Plano Diretor e a elaboração de um Plano de Mobilidade Urbana
Por Habacuque Villacorte – Da Equipe CinformOnline
Seguindo com a série de entrevistas, a equipe do CINFORM ON LINE conversou agora com a vereadora de Aracaju, Professora Ângela Melo (PT), que já defende como prioridades para a cidade a revisão do Plano Diretor e a elaboração de um Plano de Mobilidade Urbana. Ela também comenta a greve dos rodoviários de Aracaju, que ocorreu na última sexta-feira (19) e a possível retirada dos pequenos comerciantes que estão instalados na praia de Cinelândia, sem que a Prefeitura da capital sequer entrasse em contato com a Câmara Municipal. Ela também fala em política e defende uma candidatura petista para o governo do Estado e para a presidência da República. Confira a seguir, e na íntegra, esta entrevista exclusiva:
CINFORMONLINE: Iniciando a entrevista, estamos iniciando seu mandato agora, de fato, com a abertura dos trabalhos na CMA. O que a população pode esperar da vereadora Professora Ângela?
ÂNGELA MELO: É importante mencionar que são dois os momentos de “início” do trabalho parlamentar. Um é quando as sessões legislativas começam e em Aracaju a primeira sessão foi em 2 de fevereiro. O outro é logo após a posse, mas ainda antes de iniciadas as sessões legislativas. Então, desde o dia 1 de janeiro, quando fui empossada, que estou atuando como vereadora de Aracaju.
Nesses dois meses trabalhei como pretendo atuar pelos quatro anos: defendendo os direitos da classe trabalhadora da nossa cidade, utilizando os diversos espaços e instrumentos para denunciar e me posicionar contra projetos que ampliem desigualdades ou retirem direitos, apresentando propostas para a melhoria de vida das pessoas e escutando, de forma atenta, as reivindicações da sociedade, para transformá-las em proposições legislativas.
Posso citar alguns exemplos desse início de mandato que vão neste sentido, como as indicações que fiz para a criação da Renda Básica Municipal para as famílias mais vulnerabilizadas de Aracaju, para a reforma e construção de ciclovias em áreas estratégicas da cidade e para a aquisição de internet e equipamentos tecnológicos pela Prefeitura para disponibilização a estudantes, professores, professoras e funcionários das escolas públicas.
Um dos temas abordados já pelo seu mandato foi em relação ao retorno das aulas presenciais no ensino público, ainda durante a pandemia. Qual o seu posicionamento a respeito?
Sou professora aposentada das redes públicas, municipal e estadual. Minha vida foi na sala de aula. Então, sei bem a importância da aula presencial em termos pedagógicos e para o processo de aprendizagem. Tenho também dialogado muito com docentes, servidores e mães e pais de estudantes. Há um desejo de retorno das aulas presenciais, mas há algo maior que essas mães, pais, professores e professoras têm expressado, que é o desejo de ter as suas crianças e adolescentes vivas e com saúde. Quem se dispor a conversar com qualquer mãe de estudante vai sentir o medo de colocar o seu filho em risco. A previsão do retorno presencial é 22 de março, daqui a um mês. Não temos ainda qualquer perspectiva de vacinação de professores e funcionários de escola. Teremos todos os adultos da comunidade escolar de Aracaju imunizados em um mês? Pela situação atual, sabemos que não.
“A Prefeitura sequer ouviu a CMA
para buscarmos saídas coletivas”
Também tenho feito visitas a escolas públicas municipais nesse início de mandato e a realidade é que, infelizmente, muitas não têm estrutura adequada para atender os protocolos sanitários recomendados pelas organizações nacionais e internacionais de saúde. Esse cenário vai mudar em um mês? Pela situação atual, também acredito que não. Como, então, eu posso defender o retorno presencial das aulas neste momento? Se eu fizesse isso, estaria defendendo colocar crianças, adolescentes e suas famílias em completo risco. E isso eu nunca farei. Por isso, sim, sou contra a volta das aulas presenciais sem vacinação.
E quanto às sessões remotas da CMA? Esse “modelo” não tem prejudicado a atuação dos vereadores, em especial, da oposição? A reforma do prédio está atrasada? A Mesa Diretora já não poderia ter encontrado outro espaço com garantia de isolamento e para facilitar o trabalho dos parlamentares?
Acredito que a decisão mais prudente, que inclusive tem coerência com o que disse antes, é mesmo mantermos as sessões remotas. O Legislativo deve ser em essência um ambiente de debate de ideias e disputa de visões de mundo, para que se encontrem os melhores caminhos para a população. E as sessões presenciais são bem importantes para isso. Você está vendo o seu colega, pode conversar com ele diretamente, dialogar olho no olho e chegar a sínteses.
Mas, apesar de termos um prejuízo nesse sentido por não estamos presencialmente no espaço físico da Câmara, não estamos nos expondo a um maior risco de contaminação. A questão não é sobre encontrar um lugar disponível, mas diz respeito à preservação das nossas vidas. Trabalhamos com outras pessoas, que nos assessoram. Nós temos famílias, essas pessoas têm famílias e não queremos colocar ninguém em risco. O que estamos buscando fazer, então, por meio remoto, é garantir os debates, a apresentação e discussão de projetos.
Muitos vereadores foram eleitos em 2020 porque representavam o desejo de um segmento ou comunidade, ou porque trabalharam bem uma “causa social”. Sua atuação sempre a frente dos movimentos dos professores e do Sintese ajudaram em sua eleição? Até que ponto isso pesou?
Costumo dizer que fui formada em termos éticos e políticos a partir de um tripé: a sala de aula, o movimento sindical e a militância partidária. Foi no chão da escola, nas lutas do sindicalismo combativo e nos espaços partidários do PT que me constituí cidadã crítica e me compreendi enquanto mulher trabalhadora, parte de uma classe explorada pelo sistema capitalista, que é também patriarcal e racista.
Minha atuação sempre foi em defesa da educação pública, gratuita e de qualidade social para toda a população e também pela construção de outros valores, práticas e relações econômicas, sociais e políticas. Acredito que, ao depositar a confiança em mim, a população sabia em quem estava votando. Então, certamente, a minha trajetória – que é pública – influenciou na eleição.
Aracaju é uma cidade que cresce de maneira desordenada, sem a revisão do Plano Diretor. Na gestão anterior foram feitas diversas audiências públicas pelos bairros da capital, ouvindo a população, mas o prefeito Edvaldo Nogueira não deu continuidade. Falta interesse ou falta gestão?
Aracaju é uma cidade profundamente desigual. Um exercício de confirmação disso é percebermos as diferenças entre as condições de vida das famílias que moram nas periferias e as que vivem nas áreas consideradas “nobres”. Qual a realidade dos serviços públicos para as pessoas mais empobrecidas da cidade? Qual a situação do transporte coletivo, utilizado em sua maioria pelas famílias pobres? Qual a estrutura das zonas periféricas da cidade em termos de saneamento, iluminação e asfaltamento? As respostas a essas perguntas vão demonstrar que a ideia de qualidade de vida não passa de discurso.
E para mudar esse cenário uma das prioridades é a revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, com base nas diretrizes do Estatuto da Cidade e articulado a outras iniciativas, como a elaboração de um Plano Municipal de Mobilidade Urbana, que contemple a licitação do transporte coletivo, visando a sua melhoria, e que garanta investimento em outros modais, como as ciclovias e ciclofaixas. A Prefeitura e a Câmara Municipal devem entender essas questões como urgentes e estratégicas para a nossa cidade e não podem agir como reféns do interesse de construtoras ou qualquer setor da iniciativa privada.
O aracajuano, ano após ano, vem pagando um IPTU caro que, inclusive, foi promessa de campanha ainda em 2016 que o reajuste seria revogado, mas até agora nada baixou e, este ano, houve até um novo aumento. Por que tanto abuso? E os órgãos fiscalizadores? Por que nada muda sobre o IPTU?
Esse ponto do IPTU tem a ver diretamente com o que falei na questão anterior. Precisamos de uma cidade em que as pessoas não se sintam e não sejam consideradas inimigas. A cidade é a junção das pessoas que nela vivem. E o que tem ocorrido nos últimos anos em relação ao IPTU é uma insatisfação generalizada, com as pessoas sendo punidas com taxas abusivas. Com a pandemia, em que as pessoas tiveram as suas rendas seriamente afetadas, é preciso sensibilidade da Prefeitura para não penalizar ainda mais os cidadãos e cidadãs.
Foi pensando nisso que apresentei uma indicação para que a Prefeitura adequasse o calendário de pagamento do IPTU, ampliando o prazo para as famílias. Além disso, entendo ser urgente a ampliação do debate sobre o IPTU, com a garantia de participação da sociedade civil, especialmente no que diz respeito à atual planta de valores imobiliários que, da forma como está, resulta em valores impagáveis para muitas pessoas.
E qual a sua posição sobre a greve dos rodoviários? O Sindicato das empresas alega redução dos passageiros para demitir os cobradores e acumular funções dos motoristas. E não dialogam com os trabalhadores. Como a Câmara pode contribuir nesse impasse? Fala-se também em um possível reajuste da tarifa do transporte. Seria a solução?
O aumento da tarifa apenas agravaria os problemas do transporte público em Aracaju. A lógica do empresariado é sempre a mesma: penalizar os trabalhadores e trabalhadoras. Temos uma série de problemas no transporte urbano de nossa cidade. A população utiliza um serviço precário, com poucas frotas e com ônibus superlotados. E os motoristas, cobradores e demais trabalhadores do setor não são valorizados e veem a todo momento a ameaça de retirada de direitos. Enquanto isso, os empresários do setor seguem buscando formas de penalizá-los ainda mais. Não acompanhei a manifestação dos rodoviários porque estava em uma reunião no mesmo horário, mas um integrante da minha assessoria foi e informou à categoria que o meu mandato está à disposição para defender os seus direitos.
E o que dizer da decisão do poder público de retirar os pequenos comerciantes instalados na Praia da Cinelândia? Não deveria ter um planejamento e uma discussão maior? A CMA foi consultada? Não ocorreu algo parecido com os comerciantes do Terminal Rodoviário do Centro?
Nós que estamos na atuação pública institucional precisamos compreender o seguinte: as pessoas estão vendo a sua vida piorar. O desemprego só cresce, as desigualdades se exacerbam e, como alternativa, as pessoas fazem o que pode para conseguir colocar o prato de comida na mesa para os seus filhos. Se eu, enquanto gestor, entendo isso, eu jamais vou agir sem conversar com as pessoas que montaram seus pequenos comércios na Cinelândia. Aquelas trabalhadoras e trabalhadores foram para a praia instalar suas barracas por necessidade de vida. Então, além de uma ação sem qualquer diálogo com aqueles pequenos comerciantes, a Prefeitura sequer ouviu a Câmara de Vereadores para buscarmos saídas coletivas. E isso é lamentável.
Uma pergunta recorrente que fazemos sempre a um vereador de Aracaju é sobre a renovação grande no parlamento municipal. Por que? Foi apenas a legislação eleitoral que mudou com o fim das coligações ou a baixa representatividade também ajudou na mudança de nomes na CMA?
Vivemos uma forte descrença na política institucional. Os altos e crescentes níveis de abstenção eleição após eleição são um alerta para todos/as que se colocam para a representação política. Então, quem se propõe a participar da vida pública institucional da cidade não tem o direito de virar as costas para a população e tem o dever de fazer uma política que esteja a serviço da mudança das condições reais de vida das pessoas.
“O povo deseja uma renovação não de
nomes, mas de um modo de fazer política”
A renovação não foi apenas na Câmara de Aracaju, em diversas cidades também houve muitas mudanças na composição do Legislativo. Mas o recado que a população está dando é de que deseja uma renovação não de nomes, mas de um modo de fazer política. A sociedade está manifestando a contrariedade com a política feita para interesses e vantagens pessoais e reivindicando que os seus representantes atuem buscando a melhoria da coletividade.
Falando um pouco sobre política, a senhora é filiada ao PT e alguns aliados avaliam como um “equívoco” a candidatura de Márcio Macedo em 2020, a senhora concorda? E quanto a 2022? Uns defendem alinhamento completo com o grupo do governador; outros apostam em uma candidatura de Rogério Carvalho ao Executivo. Qual a sua opinião?
O PT é o maior partido de esquerda do Brasil e da América Latina, que governou o Brasil por 14 anos e também já governou Aracaju e Sergipe. Esses governos, que foram marcados por redução das desigualdades, por diminuição da miséria e da pobreza extrema, incomodaram os que sempre foram privilegiados pela ação estatal. E como forma de frear o projeto de transformação da sociedade, setores da própria política, do Judiciário, dos meios de comunicação e do capital nacional e internacional estimularam campanhas de ódio contra o PT e as suas principais lideranças, contribuindo para o crescimento do antipetismo.
Mas cada dia cresce também o sentimento em diversas parcelas da população sobre o caráter transformador do PT em suas vidas, inclusive em nossa capital e em nosso estado. Por isso que foi um acerto o PT ter candidatura própria e Márcio Macedo, que é uma das tantas lideranças petistas, foi a que se apresentou ao partido para cumprir essa tarefa coletiva necessária. Por esses mesmos motivos, a tendência que eu integro – Militância Socialista – defende que o PT tenha candidatura própria ao Governo de Sergipe, com um programa democrático e popular e em aliança com partidos de esquerda e movimentos sociais.
E quanto ao País? É sabido o seu posicionamento frente ao governo do presidente Jair Bolsonaro, mas e o PT? Deve ter candidatura própria? De quem? Daria para fazer aliança com outros partidos de Esquerda ou apoiar uma candidatura de outra legenda? Existe possibilidade de uma aproximação com o PSDB e o DEM, no âmbito nacional, por exemplo?
O que falei do PT em Aracaju e Sergipe se aplica também ao Brasil, com um fator a mais: o PT foi vítima de sucessivos golpes, sendo o impeachment de Dilma e a condenação de Lula algumas expressões desses golpes. Ou seja, o PT foi primeiro retirado do governo em 2016 por meio de uma articulação golpista e o candidato escolhido inicialmente pelo partido para disputar as eleições de 2018 foi retirado da disputa por meio dessa mesma articulação golpista.
“O aumento da tarifa apenas
agravaria os problemas do
transporte público em Aracaju”
Se ainda assim, esse é o maior partido da esquerda brasileira e se, mesmo enfrentando todas essas dificuldades, o PT foi ao segundo turno nas últimas eleições presidenciais, é evidente que o partido tem todas as condições de lançar candidatura própria em 2022 para a Presidência da República. Mas o PT não voltará ao governo sozinho, por isso é necessária a articulação de uma frente com outros partidos de esquerda para a construção de um projeto de país que volte a sorrir. E é essa frente de esquerda que deve definir programa político e candidatura.
Concluindo a entrevista, a senhora pretende disputar algum mandato eletivo em 2022? Tem compromisso com alguma candidatura para deputado estadual? E para federal? Já pensou sobre isso?
Iniciei o meu primeiro mandato legislativo há apenas dois meses, estou inclusive aprendendo muito sobre a dinâmica parlamentar. Então seria até irresponsabilidade minha projetar uma candidatura em 2022. Como disse, integro um agrupamento interno no PT, que é o mesmo da ex-deputada Ana Lúcia e do deputado estadual Iran Barbosa, que também já foi vereador e deputado federal. O companheiro Iran tem uma trajetória legislativa, sempre muito bem reconhecida pela população, que o credencia para continuar representando o povo de Sergipe. Além disso, na Militância Socialista temos militantes sociais de diversas áreas que têm legitimidade para encarnar os nossos projetos coletivos em qualquer eleição.