Por Fredson Navarro

A cada ano, a comunidade LGBTQIAPN+ consegue ampliar seus horizontes, conquistar mais espaço e respeito na sociedade mas os desafios continuam. O caminho ainda é longo, no que diz respeito a uma vida mais justa, igualitária e sem preconceitos, mas as Lésbicas, Gays, Bi, Trans, Queer/Questionando, Intersexo, Assexuais/Arromânticas/Agênero, Pan/Poli, Não-binárias e mais, já têm muitos motivos para comemorar.

A Constituição Federal elenca em seu artigo 3° os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Entre eles, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Nos últimos anos, muitos direitos foram conquistados reforçando a importância do combate ao preconceito na busca por igualdade e cidadania.

União Estável – Casamento Civil
Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, por unanimidade, as uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, em igualdade de condições em relação às uniões heterossexuais.

O casamento civil entre pessoas do mesmo sexo foi reconhecido também em 2011. O fato ocorreu por meio do julgamento de um recurso especial pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O direito ao casamento foi definitivamente assegurado por meio de resolução do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que proibiu que cartórios se recusassem a celebrá-lo.

No ano seguinte, Ângela Maria Guimarães, de 46 anos, e Carla Viviane Campos Fontes, de 30 anos, foram as protagonistas do primeiro casamento homoafetivo de Sergipe, ocorrido no Fórum Integrado III, Distrito Industrial de Aracaju, em 2012. A cerimônia estava repleta de amigos e parentes das noivas, que conquistaram um sonho que ainda era considerado um tabu.

Na época, entrando com a decisão no Ministério Público do Estado de Sergipe, o advogado do casal, Arlindo José Neri Neto, explicou que as clientes tentaram a habilitação para o casamento diretamente no cartório, mas foi negado. “Com pedido negado tivemos que entrar com uma ação judicial pedindo a habilitação para o casamento e o parecer do MPE foi favorável”, recorda.

Além disso, a juíza também respondeu favoravelmente pela procedência da ação para que houvesse o casamento que foi consumando a decisão que foi o casamento propriamente dito, ou seja, com todos os procedimentos legais.

De lá para cá, o Tribunal de Justiça de Sergipe (TJ/SE) recebeu até outubro de 2022 quase 10 mil pedidos de casamentos. A procura aumentou em 22% nos dois últimos anos.

Adriana Lohana marcou história de conquistas em Sergipe

Identidade de gênero
O STF reconheceu a possibilidade de retificação do nome e do gênero de pessoas transgênero, independentemente de realização de cirurgia de transgenitalização ou qualquer outro procedimento médico. E o processo que começou mais burocrático, ficou mais flexível.

Adriana Lohana, que hoje é presidente do Conselho LGBT de Sergipe, quebrou paradigmas, inspirou e venceu preconceitos em 2012, quando conquistou o direito de fazer a retificação do nome no registro civil. Ela foi a primeira mulher trans no estado a ter esse direito garantido na Justiça.

“Foi um grande avanço na época mas o processo foi árduo, complicado, lento e muito doloroso. Tive o direito negado em primeira instância e entramos com um recurso modificado para convencer o juiz. Foi muito constrangedor ter que se explicar para um juiz, psicólogo e toda equipe. Na época eu questionei: quem vai dizer quem eu sou é um juiz? A burocracia era muito grande e agora está tudo mais fácil e rápido”, comemora.

A utilização do nome social já era um direto previsto em lei por meio de decreto presidencial. Mas a partir de 2018, com a decisão do STF sobre a ação direta de inconstitucionalidade, o processo passou a ser realizado administrativamente, diretamente nos cartórios, de forma mais simples e rápida.

“Em regra, qualquer cartório pode fazer esse processo de retificação no registro civil. De preferência, deve ir ao cartório onde a pessoa foi registrada para facilitar o processo. A retificação no nome passou a ser um direito e não um favor”, explica a advogada Carolina Quintiliano.

Essa decisão do STF reconheceu a autodeterminação de gênero sob uma perspectiva dos direitos humanos, em que há autonomia das pessoas sobre quem são, não cabendo ao judiciário decidir ou dizer quem a pessoa é.

“A demanda aumentou 45% após a decisão da Justiça que garante cidadania e dignidade. Estamos buscando nos qualificar a cada dia para atender melhor cada um. A gente recebe a pessoa trans no cartório, se envolve e se emociona com a sua história, e comemoramos juntos a conquista. O processo é simples e não precisa de ação nem de advogado, basta levar os documentos no cartório e fazer a solicitação. Em até um mês, o novo documento já está pronto para ser entregue”, orienta Alenir Vieira, oficial do registro civil do Cartório de Laranjeiras e Secretária da Associação dos Notários dos Cartórios de Sergipe.

Linda Brasil é vereadora de Aracaju e deputada estadual eleita

Sucesso nas urnas e popularidade, Linda Brasil foi eleita a primeira vereadora trans de Aracaju e virou notícia nacional em 2020. O fenômeno se repetiu neste ano e ela foi eleita deputada estadual para repetir a conquista histórica na Assembleia Legislativa a partir de 2023, mas o caminho até chegar aqui não foi fácil.

“Sou muito grata e feliz em conseguir ser referência, abrir portas e inspirar pessoas. O segredo é persistir e não se acomodar. Fui vítima de muita exclusão, preconceito e violência. Entrei na UFS aos 40 anos, depois de ter ultrapassado a expectativa de vida da trans no Brasil, que é 35 anos. No ato da matrícula não tive o direito de usar o nome social. Pedi a cada um professor que me chamasse de Linda, mas um se recusou e insistia em me chamar pelo nome de batismo. Era muito constrangedor e logo abri um processo administrativo contra a instituição que após alguns meses, o processo gerou uma portaria que regulamentou o uso do nome social e assim começou a minha luta. Mais para frente, consegui fazer a retificação do nome e gênero nos documentos e me senti uma cidadã completa”, orgulha-se a parlamentar.

Linda que tem uma história de conquistas e de muitas batalhas, levanta a bandeira do fim do preconceito. Preconceito esse que já viveu na pele por diversas vezes. “Ter meu nome nos documentos facilitou muito a minha socialização. Me deu o direito de ser livre. De ser quem eu sou, de me sentir confortável e reafirmar a minha existência enquanto cidadã”, completa.

Lu Xodó comemora benefícios da retificação do nome

Luciana Barbosa que brilha nos palcos como ‘Lu Xodó’, a cover oficial da cantora Joelma, também conhece o drama de nascer em um corpo que não se identifica. A vida da artista ganhou um novo significado após conseguir fazer a tão sonhada retificação do nome no cartório.

“Eu evitava frequentar ambientes sociais para não ser chamada pelo nome. Imagine eu, em uma fila do aeroporto, toda arrumada e glamorosa e ser chamada por José Carlos Jose, Antônio ou Daniel? Não fazia sentido para mim, não era eu. Eu não me reconhecia e me isolava. Mas tudo mudou quando recebi meu novo documento, ganhei liberdade e quero mostrar a todo mundo. Amo viajar e agora vivo passando pelos aeroportos apresentando meu documento com muito orgulho, meu nome é Luciana Barbosa”, vibra Lu Xodó que tem muitos fãs de todas as idades.

Apoio e orientação
A Secretaria Municipal de Assistência a Família de Aracaju tem um serviço que orienta as pessoas trans que têm vontade de fazer o uso do nome social ou retificação de nome e gênero no registro civil de nascimento. Desde a implantação do serviço, há cerca de 5 anos, mais de 400 pessoas passaram foram beneficiadas através do serviço. Outras informações e agendamento podem ser feitos através do número (79) 3215-2718.

Outra opção gratuita de serviço ofertado é feita através da ONG Remonta, que acolhe, orienta e acompanha cada um desde o início da documentação até o dia de receber o novo documento em Sergipe. Interessados podem entrar em contato através do número (79) 99105-3477.

Doação de sangue
Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu derrubar restrições à doação de sangue por homens gays. A maioria dos ministros decidiu que normas do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que limitam a doação de sangue por homens gays são inconstitucionais.

“Sempre fui muito comprometido com o social e me frustrava quando queria doar sangue para salvar vidas e era impedido de forma grosseira. Em 2010 fui doar pela primeira vez e me senti tão invadido quando me perguntaram a minha orientação sexual. Pior ainda quando disseram que gay não podia doar sangue. Eu não conseguia entender isso e fiquei muito mal. Depois de 10 anos comecei a doar com muita felicidade, graças a derrubada das restrições. Doa sangue é salvar vidas”, orgulha-se o professor Mário Lima.

Mario Leony comemora adoção do filho com seu companheiro

Adoção
A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal manifestou-se pela primeira vez sobre o tema em caso sob a relatoria da Ministra Cármen Lúcia, tendo reconhecido a possibilidade de adoção por casais homoafetivos, sem restrição de idade.

Com muita felicidade, o delegado Mario Leony compartilhou nas suas redes sociais uma foto dele com seu companheiro apresentando o pequeno Samuel Fernandes Leony, filho do casal.

“Ele teve seu nome retificado, ganhou nossos sobrenomes e dupla paternidade nos documento civil. O coração precisava estar recauchutado para dar conta de tanta felicidade e emoção. Adotar é um ato de amor”, vibra.

Assim como Mário e Sérgio, passou a ser possível e dezenas de casais com pessoas do mesmo sexo adotaram crianças de forma legal em Sergipe.

Preconceito
Apesar dos avanços, os casos de preconceito ainda existem na rotina de muitas pessoas da comunidade LGBTQIAPN. Adriana Lohana lembra ainda que infelizmente os casos de transfobia são mais comuns do que se imagina. É uma realidade dura enfrentada até mesmo em espaços onde a garantia dos diretos deveria ser uma premissa.

Como aconteceu no fim de setembro deste ano com uma jovem trans de 18 anos que denunciou um episódio após ter o direito de ser tratada pelo gênero com o qual se identifica negado dentro do Fórum Desembargador Fernando Franco, localizado no Bairro Santa Maria, em Aracaju.

Acompanhada do membro da assistência técnica LGBTQIA+ do município, Marcelo Menezes, a garota estava nas dependências do Fórum justamente para retificar o nome e o gênero no registro civil. No entanto, a jovem teria sido tratada no masculino por uma funcionária, apesar de ter retificado que queria ser tratada no feminino.

“Já tem um histórico de atendimento ruim no fórum, não é a primeira vez que tem problema por lá. A moça do cartório tratou ela por ‘ele’, e nesse sentido, o Marcelo foi conversar com ela, disse que era transfobia e que isso era crime, mas ela continuou dizendo que se na identidade era homem, então era ele”, explicou a presidente do Conselho LGBT do estado de Sergipe, Adriana Lohanna.

Adriana acionou a Polícia Militar, que se dirigiu até o local, mas não efetuou a prisão em flagrante da funcionária, segundo o exposto, por ordem do juiz do Fórum.

“Solicitei então ao coordenador do Centro de Referência LGBTQIA+ da SSP que fosse para lá, ele entrou e foi falar com o juiz, e ele disse a mesma coisa. O juiz disse que não via transfobia, e que não iria haver flagrante no fórum dele, e aí a gente foi para a delegacia”, completou
ela. O caso foi encaminhado para a Delegacia de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAGV).

“Já houve uma reunião do movimento social LGBTQIA+ com o Tribunal de Justiça para regulamentar com relação aos cartórios a questão do atendimento e a retificação do registro, mas até o momento a regulamentação não foi publicada”, finalizou Adriana.

Manual de Comunicação LGBTQIAPN+
O fim do preconceito passa pelo processo de educação. Da conscientização do respeito ao próximo, do respeito a diversidade. O Comitê da Equidade de Gênero e Raça do Tribunal de Justiça de Sergipe, lançou um manual de comunicação LGBTQIAPN+ no início deste mês de outubro, trazendo como título ‘Respeitando todas as formas de existir’.

O manual traz informações importantes sobre a linguagem inclusiva alinhadas as diretrizes dos diretos humanos. “A cartilha foi feita não apenas para os nossos servidores e magistrados, mas está disponível para toda a população que queira entender melhor a história, o vocabulário adequado e como evitar termos preconceituosos e discriminatórios também. De forma didática, o manual explica o que é identidade de gênero, orientação de gênero. Precisamos trazer informações e combater qualquer tipo de preconceito”, alerta Thyago Avelino, presidente do Comitê de Gênero e Raça.

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