Por Fredson Navarro
Os passageiros que utilizam o transporte público da Grande Aracaju estão esperançosos com melhorias no sistema com a chegada da licitação. É a primeira vez que o processo será realizado com a promessa de garantir qualidade, conforto e segurança nos ônibus que fazem parte da frota. A confirmação chegou nesta terça-feira, 30 de julho, através da decisão favorável do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJ-SE), que garantiu a realização do processo licitatório e a Prefeitura de Aracaju prorrogou o prazo para que as empresas possam se candidatar até a próxima sexta-feira, 2 de agosto, com a apresentação das propostas.
Benefícios da licitação
Há mais de 20 anos o assunto é discutido, promessas são feitas pelos prefeitos mas até hoje nunca foi realizada uma licitação em Aracaju, mas por quê? A Constituição Federal de 1988 estabelece que haja licitação, o que nunca houve na capital.
O assunto ganhou força em 2022 após muitas cobranças do vereador Ricardo Marques. Ele esteve em Maceió e conheceu de perto como a licitação levou benefícios para os passageiros. O serviço melhorou significativamente e a tarifa da passagem reduziu. Aos domingos, os passageiros não pagam. Toda a frota tem ar-condicionado, elevadores para portadores de necessidades especiais e assentos confortáveis, além de abrigos cobertos e seguros.
“Estou nas ruas de Aracaju todos os dias, acompanho de perto a situação do trânsito e estou sempre em busca de solução. Levei a situação ao conhecimento do Tribunal de Contas de Sergipe, Ministério Público e recebi apoio dos órgãos que também também entendem que o sistema do transporte público está caótico e só vai começar a melhorar após a realização da licitação. Desta forma, direitos e deveres serão estabelecidos e cada um deve fazer a sua parte. A licitação pode definir critérios para tarifa pública e também para a tarifa remuneratória, assim impedindo que a balança pese apenas para o lado do usuário de ônibus. Também pode definir a quantidade de linhas, de ônibus e idade média dos veículos.”, explica o vereador.
Ricardo Marques provocou e o Ministério Público de Sergipe realizou o Fórum do Transporte Público Urbano com objetivo de discutir os principais avanços no transporte público de Aracaju e região metropolitana, além de analisar o modelo de transportes em outras capitais brasileiras, com a participação de autoridades e profissionais que estiveram envolvidos no processo de licitação de Maceió como a promotora de Justiça Dra. Fernanda Moreira.
“Maceió fez a licitação há 5 anos e quatro empresas rodam na cidade. A idade média da frota de ônibus é de cinco anos e oferecem Wi-Fi para os passageiros. A implantação da bilhetagem eletrônica em 100% da frota foi feita com prazo para adaptação do usuário. Foi a capital que reduziu o valor da passagem, o estudante tem passe livre e aos domingos a população paga meia”, completa a promotora.
A promotora do Consumidor do Ministério Público de Sergipe, Euza Missano, também defende a realização da licitação. “O processo deixa claro os direitos e deveres das empresas e do poder público. Tudo fica definido nas regras para um sistema que é totalmente desorganizado. A licitação garante a segurança jurídica entre os passageiros, administração pública e empresas que prestam o serviço além de inúmeros benefícios para a população. O MPE recebe constantemente reclamações dos passageiros e está fiscalizando o sistema que precisa melhorar muito para atender aos passageiros da melhor forma”, reforça.
A licitação faz tudo com documentação e se a empresa que é contratada não cumprir com o serviço de qualidade, é trocada por outra. “É prático e simples. Os passageiros só precisam de um transporte com qualidade e que cumpra com as suas atividades. Quase todas as capitais do Brasil já iniciaram ou concluíram a licitação, Aracaju também precisa iniciar esse processo”, ressalta o vereador Ricardo Marques, maior defensor da realização da licitação em Aracaju.
“A obrigatoriedade da licitação está na Constituição que cobra e pede garantia de benefícios, diretos para a população e a formalização do contrato estabelece direitos e deveres para ser oferecido um serviço de melhor qualidade”, ressalta Fábio José da Silva, controlador interno do Tribunal de Contas de Sergipe.
O Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Aracaju acompanha de perto todas dificuldades e desafios do setor e também concorda com as melhorias. “
A licitação pode colaborar com a reorganização do trânsito. Ajudar a tirar e criar novas linhas. Pode ajudar em toda essa organização necessária e ainda pode ser uma saída para colaborar com a gratuidade e aliviar o bolso do passageiro pagante que é o responsável direto por cada gratuidade neste formato de hoje”, alerta Raíssa Cruz, superintendente do Setransp.
Primeiro passo
Em novembro de 2022, o prefeito Edvaldo Nogueira assinou o contrato para consultoria da licitação do transporte público da região metropolitana de Aracaju. O trabalho foi realizado pela Associação Nacional de Transporte Público (ANTP) com o objetivo de garantir um estudo minucioso das diretrizes para a realização do processo licitatório, uma das prioridades do Planejamento Estratégico da atual administração.
“A licitação do transporte coletivo exige muito trabalho, dedicação, aprofundamento, porque a gente precisa encontrar um novo modelo para o setor. Por isso contratamos a ANTP, que trata do transporte no Brasil inteiro. Já desenvolveu projetos para Recife, Salvador, Natal e atua em São Paulo. A contratação da consultoria é um primeiro passo. No nosso planejamento, teríamos começado antes, mas a pandemia adiou e colocou o setor numa grave crise. De modo que é a partir deste cenário que iremos iniciar este processo”, afirmou o prefeito.
A ANTP fez o diagnóstico do sistema de transporte público através de pesquisa para identificação de carregamento de embarque e desembarque das linhas do transporte público; planilha de custo, fluxo de caixa e modelo de remuneração; proposta da rede de transporte público para o processo de licitação; relatório de análise de alternativas regulatórias; elaboração de minuta do edital e anexos para licitação. A associação conta ainda com apoio da Superintendência Municipal de Transporte e Trânsito (SMTT) para fazer a análise das proposições de contribuições públicas e de órgãos de controle.
“Começamos fazendo um levantamento da situação atual para saber o que existe, aquilo que tem sido administrado e colocado à disposição do público nos últimos 40 anos. Verificamos quais são as alternativas que foram trabalhadas ao longo desse tempo, parte delas que fizeram sucesso, parte que não tiveram. O propósito é oferecer um serviço que dê a melhor cobertura para todos aqueles que moram na região metropolitana. Trazer para eles melhor e menor tempo, mais qualidade do serviço e, evidentemente, uma tarifa que seja factível para a população média”, afirma o presidente da ANTP, Ailton Brasiliense.
O superintendente de Transporte e Trânsito de Aracaju, Renato Telles, disse que o diagnóstico da ANTP confirmou a necessidade da licitação. “A SMTT está fazendo um processo redondo e transparente com qualidade. A licitação vai trazer muitos benefícios para o sistema”, declarou.
Problemas no sistema
Mais de 130 mil pessoas necessitam diariamente do transporte público para sair de casa e ir trabalhar, estudar, buscar tratamentos médicos e/ou lazer na Grande Aracaju. Mas o sistema enfrenta diversas dificuldades e compromete a qualidade do serviço que leva diversos transtornos diários aos passageiros.
O Sistema do Transporte da Grande Aracaju tem cerca de 500 ônibus, mais de 100 linhas e oito terminais de integração. Apesar da frota contar com alguns ônibus novos, a maioria roda há mais de 15 anos. Entre os principais problemas encontrados diariamente pelos passageiros estão: muitos ônibus sucateados, superlotação, falta de acessibilidade, atraso nas linhas e filas.
“Moro no Bairro Santa Maria e preciso pegar três ônibus para chegar no meu trabalho, às 8h, no Bairro 18 do Forte, em Aracaju. O percurso é longo e o cansaço é grande. As condições dos ônibus com superlotação e atrasos prejudicam o meu rendimento no trabalho. Não consigo almoçar em casa e passo o dia todo fora. O retorno é ainda mais desgastante. Saio da empresa às 18h e chego em casa depois das 20h. Para o serviço que eu recebo, considero que a tarifa é alta. Os passageiros merecem mais respeito, conforto e melhores condições”, disse Sônia de Jesus Lima que trabalha em uma loja como vendedora.
Em Aracaju, mais de 100 mil pessoas têm algum tipo de deficiência. Deste quantitativo, quase a metade utiliza o transporte público de forma gratuita. Eles são beneficiados por projetos de lei e têm esse direito, mas nem sempre são bem acolhidos. Cerca de 40 mil pessoas têm deficiência visual e física e utilizar o transporte público tem sido sinônimo de desafio diário devido a precariedade de espaços com acessibilidade ou pela falta de sensibilidade do próximo.
A estudante Mara Oliveira que mora no Conjunto Augusto Franco e utiliza o transporte público para se deslocar até o campus da Universidade Federal de Sergipe, em São Cristóvão, lista dificuldades. “Preciso pegar três ônibus e eles estão sempre superlotados. Os horários estabelecidos não são cumpridos e os transtornos só aumentam. Se um ônibus atrasar, vamos perder o próximo que também não cumpre horário. Passo quase duas horas para chegar ao meu destino e o desgaste é grande”, lamenta.
Os problemas são os mesmos enfrentados pelo vigilante Antônio Marcos Martins que mora no Conjunto Marcos Freire II em Nossa Senhora do Socorro e trabalha na Orla da Atalaia em Aracaju. “Preciso fazer uma grande maratona neste percurso diário. Já chego cansado no trabalho preciso enfrentar a minha jornada. Já fui vítima de assaltos dentro de ônibus e em abrigos também”.
A empregada doméstica Rose Santiago disse que tem medo de utilizar os transporte público. “Eu não tenho outra opção e preciso do transporte mas me sinto insegura. Já fui importunada algumas vezes mas tenho ainda mais medo de acidentes. A maioria da frota é sucateada e não oferece segurança. Os ônibus estão sempre superlotados e o calor está grande. Já passei mal algumas vezes”, garante.
O presidente do Conselho da Pessoa com Deficiência e Altas Habilidades de Sergipe, Antônio Luiz dos Santos, também revela mais problemas.
“Muitos ônibus não têm elevadores. Outros têm mas não funcionam. Muitos passam e não param para a gente. Apenas ignoram a nossa presença ou reclamam do tempo que perdem para que um de nós entre ou desça com o elevador. Mas também tem muita gente boa que nos ajudam. Muitos motoristas e cobradores também. Mas o serviço precisa melhorar e pedimos a sensibilidade dos gestores das empresas”, apela.
A chegada da licitação do transporte público traz esperança de mais qualidade, conforto e segurança aos passageiros. A expectativa é que o processo seja concluído nos próximos meses e em 2025 o sistema melhore com nova frota com ar-condicionado, acessibilidade, organização, pontualidade e tarifa justa.