O aposentado Paulo Sérgio Reis, 70 anos, faz o uso medicinal da cannabis há pelo menos dois anos. Ele toma oito gotas de óleo de canabidiol, três vezes ao dia, para controlar sintomas de ansiedade e aliviar dores na região da coluna. “O tratamento vem fazendo um grande efeito em mim. Eu ficava irritado com facilidade e era muito agitado e isso afetava meu sono. Hoje já consigo dormir a noite toda. Também já fico de pé e faço minhas atividades sem sentir dores”, conta o aposentado.
Paulo é um dos 187 mil brasileiros que se beneficiam de medicamentos à base da planta popularmente conhecida como maconha – por meio de prescrição médica – para tratar problemas de saúde. Os dados são Anuário da Cannabis no Brasil, da empresa Kaya Minds, publicado ano passado.
Apesar do alto custo para a importação dos derivados da substância dificultar o acesso da população em geral ao tratamento, o avanço de pesquisas científicas na área tem contribuído para a melhoria dos produtos e para o aprimoramento da legislação.
Na Universidade Federal de Sergipe, o Laboratório de Neurobiologia Comportamental e Evolutiva (Lance-UFS), instalado no campus Alberto Carvalho, em Itabaiana, desenvolve estudos sobre os benefícios da cannabis há quase uma década. Os ensaios, em fase pré-clínica, buscam confirmar o potencial neuroprotetor das substâncias.
Segundo o professor de Biocências e coordenador do Lance, José Ronaldo dos Santos, “as pesquisas têm demonstrado os efeitos benéficos da cannabis para o tratamento de transtorno de ansiedade e de doenças neurodegerativas, como Parkinson e Alzheimer”.
Uma das análises em andamento no laboratório investiga de maneira mais aprofundada os impactos moleculares do uso do óleo extraído da cannabis nos mecanismos fisiológicos de neuroproteção contra o parkinsonismo.
A pesquisa em modelo animal é feita com cerca de 50 ratos. O experimento começou a ser conduzido no início deste ano pelo biológo Leandro Santos Souza no doutorado em Ciências Fisiológicas da UFS e deve durar quatro anos.
“As evidências que trazemos, mesmo preliminares, podem abrir novas possibilidades para estudos em humanos, podendo auxiliar a dosagem e a circunstância mais adequadas para o uso do óleo do cannabidiol contra a Parkinson,” explica o doutorando.
Política Estadual de Cannabis – Atualmente, os compostos de cannabidiol testados em modelo animal na UFS são produzidos na Universidade Federal de São Paulo (Univfesp). No entanto, a recente sanção da lei que criou a Política Estadual de Cannabis, além de facilitar o acesso dos pacientes aos remédios à base da planta, permitirá a ampliação de pesquisas científicas.
Para o professor de Biociências da UFS, Auderlan Mendonça, “apesar das evidências existentes, ainda é preciso avançar na pesquisas para entender melhor como funciona o mecanismo neuroprotetor do cannabidiol e poder passar a fazer ensaios em humanos”.
Tratamento de lesões de pele – Além de avaliar os benefícios da cannabis no tratamento de doenças neurodegenerativas, o Laboratório de Neurobiologia da UFS se prepara para iniciar análises pré-clínicas de compostos para tratar lesões na pele, em parceria com o Ambulatório de Cicatrização do Departamento de Enfermagem do campus de Lagarto.
“A idéia é avaliar o efeito antiinflamatório e de alívio da dor, pois são esses dois fatores que vão auxiliar o processo de cicatrização. Isso vai ajudar na melhora no tratamento da ferida, estimulando a circulação sanguínea e diminuindo o estresse oxidativo,” afirma a professora de Enfermagem, Katty Anne Medeiros.
Comercialização de produtos – Recentemente a Justiça Federal em Sergipe autorizou a ONG Salvar a fazer o cultivo e produção da cannabis sativa pra fins exclusivamente medicinais. A decisão judicial é considerada inédita no país, pois permite, pela primeira vez, a comercialização da flor da planta.
Com isso, de acordo o presidente da associação que reúne cerca de 200 pacientes, Paulo Reis, será possível firmar parcerias com universidades e institutos de pesquisas para o melhoramento dos produtos derivados da cannabis.
“Já iniciamos o diálogo com a UFS para um convênio na perspectiva de garantir tanto o monitoramento da qualidade dos produtos, bem como a padronização dessa produção, já que vamos poder produzir desde pomadas até sprays”, ressalta o presidente.
Fonte: Ascom/UFS